Embarcamos na lotação e logo descobrimos que
os bilhetes não tinham mais créditos para a volta. Lembro que eu e minha mãe
fomos ao Shopping Center. Compramos roupas. Minha mãe, uma calça preta e
blusinha regata rosa, e eu, uma calça capri bege e casaco verde com listras
brancas. Minha mãe procurava uma batedeira nova, lacrou as sacolas e entrou no supermercado
que havia perto do estacionamento, quando...
- Mas... Uma calça rosa mãe? – perguntei.
- Está na promoção, de quarenta e nove e
noventa por dezenove e noventa e nove – respondeu com uma expressão indignada
por causa da minha pergunta feita cheia de estranheza.
- É meio cafona – disse eu que na época,
adolescente, usava trajes “descolados”.
- Meta-se com a sua vida! – minha mãe sempre
dizia isso quando eu tentava interferir nas suas escolhas. Era uma mulher
independente.
Ela não comprou a batedeira no supermercado,
achou cara demais, mas colocou tomates e um bom pedaço de carne dentro do
carrinho e passou com as compras no caixa-rápido. A calça foi paga em dinheiro
e as outras coisas no cartão. Tudo foi embalado cuidadosamente. A calça ficou
solitária dentro do saco plástico. A carne e o tomate ficaram juntos.
Era uma confusão de sacolas, compradores e
vendedores quando entramos na loja de departamentos à procura da batedeira nova.
Fiquei de olho em um violão no alto da prateleira, mas minha mãe comprou a tão
necessária batedeira no cartão e parcelado, muito mais cara que o violão.
Sentei no sofá de espera do setor de pagamento,
pousando as sacolas no chão. Depois que minha mãe completou a compra, levantei
apressadamente, agarrando todas as sacolas de uma só vez.
A caixa da batedeira era enorme e o saco
plástico maior ainda, quem iria carregar aquilo? Não tinha carro e nem dinheiro
para pagar o táxi.
Sobraram quatro reais da aventura no paraíso
das compras e decidimos pegar uma lotação, naquela época o preço da passagem
era muito menor.
Esperamos bastante e até àquela hora,
aproximadamente dez da noite, não apareceu nenhuma lotação que servisse. Minha
mãe levava a sacola de supermercado com a carne e o tomate dentro do saco da batedeira,
eu carregava as sacolas de roupas lacradas e a calça rosa.
Esperamos mais alguns minutos e finalmente
embarcamos. Minha mãe sentou-se um pouco afastada, porém eu ocupei um lugar na
parte da frente, próximo à catraca, e coloquei as sacolas no chão.
Durante o trajeto, como sempre acontece, até
hoje acontece, fui levada para o mundo da lua por pensamentos, lembranças, refletia
sobre o violão que não ganhei, as calças “descoladas” e “maneiras” nas
vitrines, os DVDS que vi e não pude comprar, os livros...Refletia sobre as
atitudes, comportamentos e ações das pessoas que observava pela janela da
lotação. O que será que elas estão pensando? Queria conhecer a história de vida delas.
O ponto final se aproximava, agarrei as
sacolas rapidamente, tal qual minha mãe. Saímos apressadas na direção da porta
traseira, descemos e tomamos o caminho de casa.
Passamos pelos cachorros, minha mãe abriu a
porta da sala, coloquei as sacolas sobre a mesa, e ela foi conferir a
batedeira, tudo certo. Desembrulhou a sacola dentro da sacola, guardou os
tomates e a carne na geladeira. Experimentei o casaco verde com listras brancas
e a calça capri bege, serviram perfeitamente.
Minha mãe, sentindo a falta de alguma coisa
resolveu perguntar:
- Onde está a sacola com a minha calça rosa?
Não deu para esconder que fiquei surpresa e
tentava encontrar uma resposta através da revisão dos fatos, mas como um
desenho de criança feito a lápis preto N°2 na parede branca, minha memória foi
apagada e só consegui dizer:
- Ih! A calça rosa.
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