terça-feira, 7 de junho de 2011

A menina e o baú

No final da tarde, a mãe sempre gritava:
- Vem para dentro menina e guarda esses brinquedos!
Ela recolhia um por um. Eram bonecas, soldadinhos de plástico, bolinhas de gude, tudo dentro de uma caixa de madeira que os pais arrastavam para o quintal e tombavam, muitos brinquedos rolavam pelo chão, crianças também.
Aquela menina de “xuxa” nos cabelos pretos, vestidinho amarelo amarrotado pela brincadeira, cercada de amigos, era a líder da turma. Subia nas árvores do quintal, no muro do vizinho, fazia bolinhas de barro e jogava na fachada da casa ao lado, travessa, esperta...

Foi ali naquela terra fofa, onde estão localizados os pés de bananeira, que ela fez seu maior achado. Costumava se aventurar por entre as folhas e as bananeiras daquela pequena plantação, sentia-se em uma imensa floresta, que ela explorava demoradamente e ficava tentando encontrar a saída.
Era ali que ela alimentava os sonhos de encontrar um tesouro. Gostava do Indiana Jones, queria explorar cavernas, templos astecas, pirâmides, encontrar o tesouro do Graal e tomar o cálice da juventude eterna.
Cavoucava a terra com a colher que roubou da cozinha, quando percebeu que havia alguma coisa ali, bateu com a colher naquela coisa e ouviu TOC! TOC! era madeira, a menina começou a gritar repetidas vezes pelo quintal:
- Encontrei um tesouro! Encontrei um tesouro!
A mãe observava pelo vitrô da cozinha, mas nem se importava, pensava: “Isso é coisa de criança”.
A menina deixou um pouco de lado o entusiasmo inicial e sentindo-se uma arqueóloga, iniciou a escavação. Foi cavando, sujando as unhas de terra, cavando...cavando...O objeto ganhava forma, parecia uma caixa de mogno marrom, talvez fosse valiosa, talvez não. Ela estava quase terminando de cavar, tirou um pouco da terra que cobria o objeto e viu que tinha algo escrito, não sabia ler ainda e decidiu chamar a mãe.
A mãe, com seus trinta e poucos anos, aproximou-se daquela bagunça no quintal e repreendeu a menina, mas quando olhou para aquilo que parecia ser uma caixa de madeira desencavada, mudou radicalmente de atitude, ajoelhou-se, pegou a colher coberta pelo barro e jogou longe, pegou a velha pá de lixo e terminou a escavação. A menina disse:
- Mãe, lê para mim o que está escrito aí nessa caixa.
Percebeu as palavras no topo do baú que tomou forma e leu para a filha:
- O que tem dentro deste baú é altamente contagiante, não recomendado para cardíacos e incrédulos.
A mãe pensou:
“O que será que tem aqui dentro, parece uma caixinha simples e inofensiva”
Curiosa, ela abriu aquele pequeno baú e sentiu uma paz enorme, as cores do seu mundo mudavam, eram mais vivas e um formigamento percorria a sola de seus pés, parecia sentir cócegas e começou a rir. A menina também estava diferente e começou a cair na gargalhada. Dentro daquele pequeno baú tinha um bilhete e um pó rosado estava se espalhando pelo ar, a mãe pegou o bilhete e leu o seguinte:
“Quando eu nasci, o mundo era escuro, cinzento, pálido, parecia que a vida não tinha mais sentido, nunca se viam as cores, era tudo branco e preto, dizia minha mãe. Cresci e resolvi navegar pelo mundo, muitas aventuras cercavam minhas viagens numa terra sufocante, sem muito vento, sem raios, trovões, chuvas ou tempestades e sem sol”.
“Em uma dessas viagens busquei abrigo em uma caverna, tinham umas mensagens estranhas nas paredes, incompreensíveis, e no topo avistei este baú suspenso por cordas, escalei as rochas e com a faca cortei as cordas, quando o baú bateu no chão, abriu, e de repente o mundo branco e preto ganhava cores. Que emoção ver pela primeira vez o azul do mar”.
“Quando refiz minha viagem ao redor do mundo, tudo tinha cores e as pessoas não eram mais apáticas e frias. Mas, existiam aqueles que queriam as coisas como antes, gostariam que as pessoas voltassem a ser apáticas, desinformadas e submissas. Por isso enterrei este valioso baú aqui, para que as pessoas presas ao mundo branco e preto nunca possam inverter o feitiço”.
Mas, aquelas mensagens incompreensíveis na parede da caverna diziam que se o baú fosse encontrado por uma criança, o feitiço nunca seria quebrado. Foto: stock.xchng

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