sábado, 2 de julho de 2011

Os pássaros de metal

O tempo está nublado hoje. Existe a possibilidade de chover no final da tarde. Mais uma vez um dia sem graça, melancólico.
Mas, já vejo o sol surgindo por entre as nuvens negras. O céu de melancolia vai transformar-se num céu de brigadeiro e pode ser que os meteorologistas tenham se enganado.
Vi os pássaros viajando, pombas brancas e papagaios, e os pássaros de metal sobrevoando a torre da capital.
Os pássaros de metal são verdes e bem equipados, eles estão loucos para cuspir uma bomba atômica no centro da cidade. Sobrevoam o céu de melancolia e cospem rajadas de fogo pela cauda e eu achei que fossem raios de sol. A esperança de um céu de brigadeiro desapareceu.
 Lá embaixo, em terra firme, as pessoas andam para lá e para cá com se estivessem sem rumo, baratas tontas, máquinas em uma linha de produção, robôs. As rajadas destroem arranha-céus e prédios antigos, os robôs, que andam apressados e não olham os outros da sua espécie nos olhos, correm.
Os robôs olharam assustados para o pássaro de metal e primeiro seus corações transformaram-se em pedra e depois o corpo.
O pássaro de metal pousou e fez seu ninho no centro da cidade. Criaturas vestidas de verde descem pela rampa que sai do bico do pássaro, eles usam máscaras de Medusa. As serpentes da máscara são gigantes, elas se enrolam umas nas outras.
As criaturas mascaradas caminham entre as estátuas dos robôs. Uma estátua está olhando as horas no relógio, outra está comprando um jornal de finanças, algumas estão apertando as mãos e fechando negócios, outras comem no restaurante mais caro da cidade, o “point” da nata da sociedade.
Existem robôs famintos, congelados debaixo da ponte, dormindo no papelão, “mijando” na parede, mexendo no lixo, carregando o peso do mundo nas costas quando puxam toneladas de “tranqueiras” que valem migalhas e não pagam nem um arroz com feijão.
As criaturas mascaradas transformam em estátua aqueles que se esconderam, que fugiram da linha, que não foram contaminados pela velocidade do mundo.
É preciso que todos sejam endurecidos. Mas que droga de raça que se diz intelectualizada e continua agindo como os primatas e a única cura para a barbárie é transformar todos em pedra e cinzas, as cinzas viram pó e do pó irá ressurgir o homem.
Os pássaros de metal carregam seus canhões e suas rajadas atravessam as estátuas. Os robôs viraram pó e pelo menos por um instante todos são iguais perante qualquer lei que há por ai, todos são um monte de cinzas que não prestam para nada. Com outro disparo, dessa vez daquela bomba atômica, cujos raios são verdes e amarelos, eles começam o projeto de reconstrução do ser humano.
Todos terão o coração limpo, serão verdadeiramente racionais e não haverá criminalidade, corrupção e nem fome, terão educação, boa saúde e uma casa para morar. O mundo transforma-se em utopia.
Os pássaros de metal terminam o processo de reconstrução, as criaturas verdes embarcam e eles voam para casa. Missão cumprida. O céu está azul, um céu de brigadeiro.
As pessoas acordam. Apertam as mãos, abraçam o companheiro do lado, o passante, o morador de rua, o guarda, o ricaço, beijam as mulheres, os homens e os homossexuais, conversam com os meninos de rua, os empresários e as prostitutas. Igualdade.
Mas, debaixo do asfalto esconde-se o homem verdadeiro. Nas galerias da cidade, vive o ser irracional, primitivo e inescrupuloso. O animal das galerias é da nossa família, o único sobrevivente de uma revolução, ele está em extinção. Seu nome é Quop.
Quop é um tigre em comparação com os carneirinhos lá em cima. O mundo mudou e as possibilidades dele são infinitas. O animal sai do esgoto.
Pouco antes dos pássaros de metal dispararem os raios houve uma fuga na penitenciária do estado e os presos cavaram túneis que se conectaram as antigas galerias da cidade.Muitos morreram durante a passagem por aquela sujeira.Mordidos por ratos. Os feridos foram infectados por aquela podridão e morreram dias depois.
Quop sobreviveu, pois era resistente. Passou fome na infância, não teve educação, morou na rua, sua mãe era uma vagabunda e o pai um bêbado e ambos estão mortos. Cresceu cheirando cola e foi preso mais de dez vezes e na última fez ficou na cadeia cumprindo pena por assassinato. Matou com as próprias mãos um mendigo que se recusou a repartir o pão. É a lei da selva de pedra e concreto.
Quop subiu as escadas e abriu a tampa do bueiro. Saiu no meio da avenida e não viu ninguém. Ficou surpreso. Esfregou os olhos com descrença. Nenhuma alma, nenhuma sombra, nenhum suspiro. Silêncio.
Caminhou por vários dias, arrombou algumas lojas que sobraram e comeu qualquer coisa que encontrou, mas não viu ninguém. Será que ele está em um episódio de Além da Imaginação?
As folhas das árvores caem no outono, o tempo esfria, mas o céu é de um azul infinito, estranho contraste, o céu azul e as folhas amarelas que voam para longe.
A rua está deserta, a esquina, a avenida, o cruzamento, a travessa, a praça, aonde estão as pessoas ? Quop pensa:
“Uma cidade grande sem pessoas. As pessoas que andam no mesmo ritmo para não serem atropeladas pelos outros. Aquelas que trombam no nosso ombro. Que param na nossa frente e não sabemos para que lado ir. Aqueles que observam as nossas ações. O jeito que comemos, que dormimos no metrô. Os tarados, os bandidos, as putas, os bonzinhos e os sem-vergonhas. Merda! Sou a única pessoa nesse mundo!”
Quop não tinha onde dormir, pois alguns hotéis estavam destruídos. Encontrou um colchão e as molas de metal saltavam do tecido furado, mas ele precisava descansar e deitou naquela espécie de cama de pregos. Acordou com um gancho na costela e o grito de dor ecoou nas ruas vazias. Com muita coragem retirou cuidadosamente aquele objeto estranho de seu corpo e fez de um pano sujo a sua bandagem.
Os pés estavam cheios de bolhas de tanto caminhar. Caminhava, caminhava e não via ninguém, só as ruínas do que foi a cidade um dia.
Estava magro, maltrapilho, barbudo, descabelado e fedia, mas resistia. Suportou o frio, a fome e sempre olhava para aquele céu azul.
Seu coração era de pedra, mas com o passar do tempo foi penetrando em seu interior um calor intenso e desconhecido até então. Ele estava sozinho e começou a sentir um líquido escorrendo pelo seu rosto, eram lágrimas, chorou pela primeira vez.
Seu coração estava mudando, o mundo havia mudado.
“Estou sozinho. Nossa! Agora escuto a minha voz interior, antes com toda aquela agitação e velocidade não tinha tempo de prestar atenção em mim, mas agora penso nos meus pecados e como posso pensar no futuro se sou único aqui? Não existe futuro, você sabe que pode morrer a qualquer momento o que existe é o presente” pensou Quop.
O ferimento na costela piorara e Quop desmaiou.
Quando acordou, Quop estava cercado de gente.
As outras pessoas haviam saído da cidade em ruínas e migraram para uma outra parte do estado, lá construíram uma comunidade pacífica e organizada. Em visita à cidade encontraram um homem caído na rua e o resgataram.
Mas, esse homem não precisou dos pássaros de metal para ser reconstruído, ele próprio com a sua solidão e o sofrimento encontrou a resposta para um coração verdadeiramente humano.

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